quinta-feira, 19 de abril de 2012

Conquista do povo - Artigo de André Luís Machado de Castro e Andréa Garzon Tonet

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 3892 e 4270, declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade da chamada Defensoria Dativa de Santa Catarina, estipulando prazo de um ano para que o Estado crie e estruture uma Defensoria Pública, nos moldes previstos na Constituição Federal.

A conquista foi, sobretudo, do povo catarinense, que trava essa árdua luta há uma década. Cansado de esperar iniciativa que não vinha, o Movimento pela Criação da Defensoria Pública de Santa Catarina, que reúne dezenas de entidades da sociedade civil, colheu cerca de 50 mil assinaturas para o projeto de lei de iniciativa popular que cria e organiza a instituição. O projeto, apresentado em junho de 2010, sequer tramitou.

Nesse contexto, as associações nacionais dos defensores públicos ajuizaram no STF as duas ações de inconstitucionalidade, que foram julgadas no dia 14 de março. A decisão do STF deixou clara a opção da Constituição de atribuir o serviço de assistência jurídica integral e gratuita a uma instituição pública, estabelecendo suas principais características: organização em cargos de carreira, providos por meio de concurso público e em regime de dedicação exclusiva, vedado o exercício da advocacia.

Contrariando a Constituição Federal, a legislação catarinense substituiu a Defensoria Pública pela prestação de assistência judiciária através de advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com isto terceirizando serviço público essencial, permanente e indelegável. Por meio desse artifício jurídico, o Estado transfere recursos públicos para a OAB/SC, para pagar advogados pelos processos que acompanham, além de "indenizá-la" com 10% do valor total dos desembolsos.

Decisão judicial se cumpre. Não nos parece adequado utilizar argumentos financeiros para descumprir a Constituição e a decisão do STF. Por outro lado, pretender que serviços essenciais sejam acessíveis apenas às pessoas com poder aquisitivo é negar vigência ao próprio Estado Democrático de Direito.

Dados do 3º Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, disponíveis no site do Ministério da Justiça, demonstram que o modelo público de assistência jurídica é mais barato, abrangente, eficiente e de melhor qualidade que os serviços alternativos. Além da seleção, treinamento, organização, especialização e dedicação exclusiva de seus membros, eles estão sujeitos à correição dos seus atos, são dotados de garantias e prerrogativas, prestam apoio multidisciplinar e também atuam coletivamente, preventivamente e na solução extrajudicial dos conflitos.

Embora o orçamento da Defensoria Pública seja iníquo em relação ao orçamento público e desproporcional aos dos demais entes do sistema judicial, os dados também mostram que o fortalecimento da Defensoria Pública representou significativo aumento no acesso à Justiça. Assim, criar a Defensoria Pública significa aprovar uma lei que esteja de acordo com a Constituição Federal e que preveja cargos, estrutura e orçamento suficientes para que os cidadãos catarinenses tenham acesso a esse serviço.

Tampouco vale criar uma Defensoria Pública de fachada, para atuar por meio da OAB/SC, porque o Supremo também já decidiu que os recursos públicos para assistência jurídica devem ser investidos na Defensoria Pública, a qual, somente em casos excepcionais e temporários, poderá se valer de algum tipo de convênio com o objetivo de suprir sua ausência momentânea.

O prazo para criar a Defensoria Pública foi fixado em um ano. Alguns ministros ventilaram possíveis consequências pelo não cumprimento da decisão, como a eventual prática de crime de responsabilidade ou improbidade administrativa.

Não vislumbramos essa possibilidade. Temos confiança que esse desafio será vencido e, diante do novo cenário, acreditamos que nesse prazo Santa Catarina deixará de ser o único Estado que ainda não tem Defensoria Pública e construirá uma instituição modelo para o Brasil.

André Luís Machado é Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos e  Andréa Garzon Tonet é Presidente do Conselho Nacional de Defensores Públicos Gerais

Publicado na edição do dia 08/04/2012 do Diário Catarinense.

Fonte: http://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=14008

Nenhum comentário:

Postar um comentário