A pauta da mídia burguesa nos últimos dias vem sendo tomada por
notícias sobre crime organizado: mais uma onda de sensacionalismo
preparando a opinião pública para os 100 indiciamentos do inquérito
policial sobre a onda de queimas de ônibus do mês de fevereiro. O que a
mídia burguesa não noticia é que o inquérito policial que resultou das
mobilizações para denunciar a tortura na Penitenciária de São Pedro de
Alcântara no final de 2012 foi concluído pela Polícia Civil e
encaminhado ao Ministério Público na metade do último mês de março.
Após
4 meses de investigação, o delegado responsável autuou o inquérito como
lesão corporal apenas e não indiciou nenhum agente penitenciário,
limitando-se a juntar os laudos médicos, os depoimentos de presos e de
agentes penitenciários e o vídeo que mostra a entrada violenta do grupo
de intervenções táticas em uma das celas da penitenciária. Nenhum
trabalho sério de investigação parece ter sido realizado: não identifica
os agentes que aparecem no vídeo nem nomeia os agentes presentes na
Penitenciária na data dos fatos! Como se não bastasse, despreza a
materialidade representada pelos laudos médicos de ferimentos de arma
não letal nas costas, rebaixando o crime de tortura para simples lesão
corporal! A situação é tal que o Ministério Público solicitou mais
diligências investigativas a Policia Civil, cabendo ainda uma provocação
do controle externo que o próprio MP exerce sobre as polícias.
Não
há nada de novo nesta situação! Em 2008 foram feitas denúncias de
tortura na mesma Penitenciária de São Pedro de Alcântara, com a
divulgação de vídeo no qual a violência dos agentes penitenciários
chegava ao ponto do afogamento dos presos em um vaso sanitário! Até hoje
o caso não foi plenamente apurado e os agentes seguem sem qualquer
punição: depois de um inquérito policial que se arrastou por anos, o
processo sequer foi iniciado propriamente, pois a totalidade dos réus
ainda não foi citada!
Eis a real face do nosso governo
estadual: um estado que deixa impune a tortura e legitima a violência
contra os pobres. Quando se trata de apurar a tortura, nenhum
indiciamento! Já em relação à investigação da onda de queimas de ônibus,
o número de indiciamentos chega ao número de 100, além de todas as
prisões e transferências já realizadas! Nós não esquecemos e não
deixaremos que o povo catarinense esqueça os crimes de tortura
praticados em nosso sistema prisional!
É hora de tomar
as ruas novamente com o movimento político e pacífico para denunciar
essa situação! Reivindicar a apuração das denúncias até o fim e a
responsabilização dos torturadores! Reivindicar a criação de um
mecanismo institucional permanente de prevenção e combate à tortura em
Santa Catarina!
A solidariedade é a nossa força! Abaixo a opressão!
Por uma sociedade sem prisões!
Brigadas Populares
sexta-feira, 19 de abril de 2013
quinta-feira, 28 de março de 2013
Sobre os atentados, a crise no sistema prisional e a política penitenciária do governo Colombo. Parte 2
1. Mais grades, balas de borracha, bombas de efeito moral, truculência e terror. A política penitenciária de Colombo não rompe, mas reafirma brutalmente a tendência do encarceramento massivo das camadas marginalizadas da classe trabalhadora. A linha tecida pelo Governo pode ser compreendida em dois eixos centrais: A construção de mais prisões e a militarização do DEAP (Departamento de Adminstração Prisional).
2. Por um lado, Ada de Luca e Colombo fazem coro com o discurso do Governo Federal sobre a necessidade de “zerar o déficit carcerário” e implementam uma linha que poderia ser apelidada de “desenvolvimentismo carcerário”: ampliação dos presídios e contrução de novas prisões. Expressão dessa política é o Pacto Pela Justiça e Cidadania, parte do programa de Colombo, Pacto Por Santa Catarina, que prevê o investimento de 232 milhões de reais para ampliação, recuperação e construção de penitenciárias e presídios no estado, e cerca de 33 milhões nos CASEs. Acompanhado deste programa, está o Pacto Pela Segurança, que investirá 265 milhões na segurança pública. É preciso compreender a lógica dessa espécie de política e desvelar o mito do déficit carcerário.
3. Trata-se de uma realidade que o próprio Estado capitalista cria ao sonegar os direitos básicos de emprego, educação e saúde do povo trabalhador, empurrando mais e mais trabalhadores pobres para a marginalidade. Incapaz de romper com essa tendencia e oferecer soluções reais, o Estado passa a se legitimar vendendo a ilusão de segurança a uma população manipulada cotidianamente pela mídia burguesa, que amplifica o medo e a sensação de insegurança e propaga incessantemente o endurecimento penal. Lucram os políticos que vendem a imagem de defensores da lei e da ordem, lucra a mídia burguesa que mantém cativa opinião pública e lucram as empresas envolvidas em todas as contratações de obras, bens e serviços ligados ao sistema prisional e à segurança, como se pode verificar nas iniciativas cada vez mais presentes de projetos de vigilância eletrônica e de privatização do sistema prisional.
4. Quanto mais vagas se criam no sistema prisional e mais se aprimora os métodos repressivos e de vigilância do aparato policial, mais pessoas serão presas. Mais pobres, negros e jovens serão presos. É a tendência punitivista e seletiva do sistema penal que se faz presente nesse tipo de programa implementado pelo Governo do Estado. O déficit carcerário é mais um jargão mitológico que esconde a política de encarceramento em massa dos marginalizados. Basta uma rápida olhada nos dados produzidos pelo DEPEN e da SSP/SC para compreender o que os Pactos de fato significam: mais repressão e mais presos. A título de exemplo: Do fim de 2011 à junho de 2012, foram criadas cerca de 2000 vagas, no entanto o número de presos subiu quase na mesma quantidade - nos regimes provisório e fechado. E os dados da SSP apontam que o maior número de registros são de crimes contra propriedade e tráfico (dados que demonstram o que e quem o sistema repressivo seleciona).
5. Não se pode esquecer que, por outro lado, a militarização do DEAP têm um papel importante no cotidiano das prisões catarinenses. O que pouco se lê e escuta nos jornais, é o verdadeiro estado de exceção que vivem os apenados. As prisões se alimentam de truculência e terror, torturas físicas e psicológicas constantes. Os recentes casos de tortura que vieram a público são meras expressões daquilo que extrapola a violência cotidiana. Na privação de liberdade reside talvez a mais brutal violência, não bastasse isso os presos em Santa Catarina convivem com uma diversa gama de maus tratos. Os castigos, as transferências por “mau” comportamento, o desrespeito aos familiares, são apenas exemplos das condições de vida atrás das grades.
6. É claro que nem todos os agentes entram no jogo do estado. Entretanto os cursos oferecidos pela ACADEJUC (Academia de Justiça e Cidadania - analóga as academias policiais, voltada para os agentes prisionais), não escondem que a política do governo é de endurecimento. A conformação de grupos altamente especializados em ações repressivas, como o recém anunciado Grupo de Intervenções Táticas, demonstram a linha de militarização nas prisões. Mas, qual a lógica presente nessa política? Mais uma vez, a escolha da população mais marginalizada como inimiga.
7. Embora o Governo do Estado se vanglorie de suas estatíscas laborais carcerárias, que é outra questão que precisa ser olhada com cuidado e criticidade, e seus altos investimentos na segurança pública e no sistema prisional, é nessa dupla articulação de expansão e militarização que a política penal catarinense mantém e aprofunda seu caráter regressivo. As novidades anunciadas nas últimas semanas não rompem em nenhuma medida com esse padrão. A poeira baixou e a crise foi contornada. Mas os pilares da política penitenciária que gerou a crise que vivenciamos nos últimos meses em Santa Catarina seguem vigentes.
Nenhuma Vaga a Mais!
Por uma sociedade sem prisões!
Frente Antiprisional das Brigadas Populares Santa Catarina.
terça-feira, 19 de março de 2013
Contra a lógica da emergência! É preciso buscar soluções reais!
Não há nada de novo no front! A marca deste mês de março na conjuntura
prisional catarinense tem sido a passagem do momento de crise para a chamada
normalidade do sistema penal. E nesta passagem o que se manifesta com mais
força é a incapacidade dos Governos Catarinense e Federal de construir soluções
reais para o problema do sistema penal. É por essa razão que mais uma vez,
agora no momento de normalidade, o governo apela ao discurso da emergência para
justificar as opções da política criminal e penitenciária.
O primeiro fato que chama a atenção nesse quadro é a decretação no último
dia 11 pelo Governador Raimundo Colombo de situação de emergência no sistema
prisional catarinense. A justificativa do Governo Estadual é a necessidade imediata
de contratação de bens e serviços, autorizando obras que demorariam cerca de 60
dias no processo normal de licitação. O objetivo seria enfrentar a superlotação
das prisões catarinenses, construindo mais 520 vagas nos próximos seis meses. Na
mídia burguesa, nenhuma discussão de fundo sobre a opção por expandir ainda
mais o sistema prisional. Mais uma vez o discurso da emergência vem somar com o
discurso gerencial, despolitizando a discussão sobre o sistema penal.
Outro fato relevante nas últimas semanas é anúncio também no dia 11 do
mutirão da Força Tarefa da Defensoria Pública da União no sistema prisional
catarinense, completando o conjunto de medidas do Governo Federal para
enfrentar a crise. Composta de 40 defensores – 10 federais e 30 de outros estados
do país – a força tarefa realizará o mutirão na primeira quinzena de abril,
período em que os defensores visitarão as unidades prisionais, entrevistarão os
presos e realizarão as medidas cabíveis para prover benefícios como progressão
de regime e liberdade condicional aos presos que já tiverem cumprido os
requisitos. Estima-se que cerca de 95% dos presos em Santa Catarina carecem de
assistência jurídica e o objeto do mutirão seria contribuir para enfrentar a
superlotação, eis que a referida carência faz com que os presos permaneçam
presos além do tempo devido. Na mídia burguesa, nenhuma menção ao papel dos
sucessivos governos estaduais na criação desta calamidade vergonhosa: governos
que se recusaram durante mais de duas décadas a criar uma verdadeira Defensoria
Pública, aplicando um modelo inconstitucional e privatista de Defensoria Dativa
que nunca se prestou a realizar o atendimento da população encarcerada. Como se
não bastasse o absurdo de toda essa situação, o chefe da recém instalada
Defensoria Estadual anuncia nesta semana que das 60 vagas abertas no primeiro
concurso público para o cargo de Defensor, apenas 45 serão empossadas nesse mês
de abril e logo se somarão a já mencionada força tarefa em mutirão. Mais uma
vez a lógica da emergência, mais uma vez a incapacidade de prover soluções
reais para os nossos problemas.
Quantos mutirões e quantas crises ainda serão necessários até que os
governantes levem a sério os direitos do povo trabalhador? Qual a
responsabilidade de governos como o de Raimundo Colombo na criação do cenário atual
do sistema prisional e da defensoria pública em nosso estado? E qual o papel da
própria expansão do sistema prisional na geração de crises como a vivenciada
nos últimos meses? Para as Brigadas Populares não existe superlotação. O que
existe é o encarceramento em massa de pobres, negros e jovens como resposta de
um Estado capitalista que sonega estruturalmente os direitos das classes
populares Para um Estado deste tipo as vagas nunca serão suficientes, pois a tendência
é que se prenda cada vez mais. É preciso inverter radicalmente a direção da
política criminal e penitenciária do Estado, começando por uma redução radical
do recurso à prisão como forma de controle social. A palavra de ordem é,
portanto, nenhuma vaga a mais! Por um Estado efetivamente voltado para
realização dos direitos do povo trabalhador!
A luta contra a tortura é a luta contra a prisão!
A luta contra a prisão é a luta contra o capitalismo!
Por uma sociedade sem prisões!
Frente Antiprisional das Brigadas Populares de Santa Catarina
segunda-feira, 11 de março de 2013
Editorial - A poeira baixou?
Terminou
a operação pente fino. Aos poucos, parece que a poeira abaixa em
Florianópolis e o clima de normalidade passa a ser construído
dentro da mídia: novas apreensões, cursos de alfabetização sendo
montados para mulheres presas e poucos conflitos dentro das cadeias.
O Estado começa a dar conta da paz pública, finalmente. Em
contrapartida, o inquérito levantado em dezembro do ano passado e
suas recomendações, bem como os levantados em Joinville parecem
ganhar pouco ou nenhum espaço. Para a prevenção contra o crime, de
forma que se possa precaver assaltos e violência, câmeras de alta
vigilância são instaladas em Blumenau. Ao mesmo tempo, um juíz
pede desculpas em nome do Estado pela morte de uma menina de 11 anos
causada por uma operação de pacificação que tinha a pretensão de
terminar com as milícias armadas.
O debate
sobre a segurança pública e o sistema prisional continua
acontecendo dentro das coordenadas colocadas pelo governo: aprimorar
o aparato policial e as cadeias. O foco mantém-se em mais
vigilância na comunidade, mais polícia, mais operações e mais
pessoas presas para garantir a “normalidade”. Não vemos
discussões e reflexões que nos mostrem por quê surge o crime organizado e o
papel direto do Estado no agravamento deste. O que recebemos destes
veículos de comunicação em massa são respostas simples e
pragmáticas para os problemas de Santa Catarina. Se a criminalidade
está em alta, mais câmeras. Mas ter seus direito e também uma vida
digna sequer é citado. É mais fácil e há mais incentivo para que se entre na agenda das
prefeituras construir presídios do que efetivar políticas públicas de educação e saúde, por exemplo. No fim das contas, quem acaba pagando por tudo isso é o
povo trabalhador, que recebe todos os respingos de uma política
penitenciária e de segurança pública falida: perdem seus filhos
para operações policiais, são violentados dentro de sua comunidade
e morrem em conflitos uns contra os outros tentando deter algo que a
cada corpo que cai ou é torturado só tende a aumentar. O governo
lava as mãos diante desta tragédia cotidiana, que de tão comum
parece em alguns momentos ter se tornado banal. Reafirma cada vez
mais seu projeto quando se exime de punir àqueles que promovem a
violência dentro das penitenciárias ou quando ignora aclamações
de movimentos sociais contra a criminalização e o encarceramento em
massa.
Quem vive diretamente a dinâmica da segurança pública sabe, por
outro lado, que a poeira não baixou. Sabe, também, que ela cedo ou tarde
vai voltar a subir, pois entende que as soluções que vêm sendo
utilizadas já se mostram há muito tempo viciadas,
focadas em soluções que não só deixam de resolver como também
criam, todos os dias, mais problemas, que virão à tona novamente e
possivelmente mais fortes. Da nossa parte, jamais deixaremos que impere a
mentira do apaziguamento da situação pois nossos problemas não foram
resolvidos e não têm sido trabalhados de forma que adentrem em suas
raízes. Não
podemos mais esperar que venham de cima soluções para a questão da
segurança pública. Para que exista uma discussão
séria a respeito das políticas prisionais cabe a nós,
trabalhadores, pensarmos e expormos coletivamente nossa insatisfação;
criarmos sugestões com a maturidade de só quem sofre com isto pode
deter.
Por uma sociedade sem prisões!
Frente Antiprisional - SC
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013
Sobre os atentados, a crise no sistema prisional e a política penitenciária do governo Colombo. Parte 1
1. O Estado de Santa Catarina
vive em estado de choque desde o último dia 30 de janeiro de 2013 com mais uma
série de atentados praticados pelo crime organizado. Até o dia 15 de fevereiro
as fontes oficiais já contabilizaram 100 ataques a ônibus e unidades de
segurança, distribuídos em 30 municípios, com destaque para as cidades de
Joinville e Florianópolis, que registraram o maior número de ocorrências (15 e
14 respectivamente), mas também para a difusão dos ataques pelas cidades do interior
do estado. A primeira reação das autoridades da segurança pública foi
apresentar os novos atentados como fatos isolados, sem relação com os 69
ataques registrados no mês de novembro de 2012, que tinham o mesmo perfil e
cuja organização desde o interior das unidades prisionais foi atribuída à
facção criminosa Primeiro Grupo Catarinense (PGC). Contudo, a evolução dos
acontecimentos mostrou que não estamos diante de uma questão isolada de
segurança pública, mas de uma crise que tem novamente seu estopim no sistema
prisional. E mais: que a presente crise está sim conectada com os fatos do
último mês de novembro, sendo a continuidade de uma situação que se arrasta no
interior do sistema prisional catarinense desde o final de 2012.
2. Trata-se de uma situação que
vem sendo acompanhada pela Frente Antiprisional das Brigadas Populares de Santa
Catarina, a partir da atuação no Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em
Privação de Liberdade, cujo foco tem sido a organização dos familiares de
presos da Penitenciária de São Pedro de Alcântara em torno de suas
reivindicações coletivas. Foi na reunião mensal do grupo do dia 31 de outubro
de 2012 que tivemos conhecimento do tensionamento interno existente entre os
presos e a administração da penitenciária, quando, ao lado do relato das
inúmeras privações e restrições por que passam cotidianamente os presos e seus
familiares, diversas esposas e mães manifestaram o temor de represálias aos
presos com a volta ao exercício do Diretor Carlos Alves apenas duas semanas
após o assassinato de sua esposa. A morte da agente prisional Daisy Alves foi
atribuída pelas autoridades policiais às lideranças da facção criminosa PGC,
presos em São Pedro de Alcântara à época. O endurecimento do tratamento, com
incursões violentas nas celas, logo nos primeiros dias da volta do Diretor foi
seguido de um incidente com um preso que resistiu e tentou enfrentar os
agentes, que, interpretado como início de motim, serviu de justificação para a
suspensão das visitas de familiares e advogados no dia 07 de novembro de 2012.
Impossibilitada toda comunicação com o mundo externo num contexto de tensão
como o que se verificava, os familiares de presos foram tomados pelo pânico e
pelo temor pela integridade física dos presos. A saída encontrada pelo Grupo de
Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade foi a mobilização
política e pacífica, com uma vigília de uma semana em São Pedro de Alcântara e
atos de rua em frente ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao Fórum de São
José e à Secretaria de Justiça e Cidadania, colocando na cena pública a
denúncia de tortura e solicitando às autoridades a realização imediata das
inspeções que posteriormente deram origem ao inquérito policial ainda em curso
com 69 laudos de violência física e ao relatório da Ouvidora Nacional do
Sistema Penitenciário. Quando as mobilizações pacíficas começaram ter seus
primeiros resultados, com a ampla inspeção realizada nos dias 13 e 14 de
novembro pelo Juiz da Vara de Execuções Penais e pelos representantes do
Ministério Público Estadual, teve início a onda de ataques na noite do dia 13
de novembro de 2012, num misto de protesto e demonstração de força por parte da
facção criminosa. A partir desse momento, o cenário das ruas tornou-se perigoso
demais para a continuidade das mobilizações e para a própria segurança física
de seus integrantes, o que forçou a mudança de cenário da luta para o terreno
institucional.
3. A luta para dar conseqüência às
conquistas da mobilização avançava, a partir de então, no lento ritmo das autoridades
catarinenses. Com a presença de atores como a Ouvidoria Nacional de Direitos
Humanos e a Ouvidoria Nacional do Sistema Penitenciário, foram arrancados
alguns compromissos importantes da Secretaria de Justiça e Cidadania, como a
criação de um Observatório Catarinense do Sistema Prisional com participação
paritária de Estado e Sociedade Civil, a implementação de um protocolo para o controle
do uso de armas não letais pelos agentes prisionais, uma política de
comunicação das transferências de presos com as famílias, etc. Em termos
práticos, nenhum desses compromissos foi cumprido até o presente momento. O
calendário avançava rapidamente, entrando na época das festas de final de ano e
das férias de verão, com todas as dificuldades de mobilização e de recurso às
autoridades públicas próprias desse período do ano. A vida na prisão,
entretanto, não tem férias. Apesar do término das torturas físicas, não
ocorreram no interior da Penitenciária de São Pedro de Alcântara mudanças
concretas no sentido da melhoria das condições dos encarcerados. Com exceção de
alguma melhora no tratamento dos familiares que visitam os presos e da alocação
de uma médica que trabalha na unidade durante as tardes, o que ocorreu foi
manutenção de uma série de restrições que já vinham desde o mês de novembro,
como a retirada das televisões e dos rádios e a saída para o banho de sol no
pátio negada por um longo período e depois autorizada uma vez por semana para
cada ala. Problemas como falta de água potável, a falta de kits de higiene, falta
de assessoria jurídica, falta de atendimento médico continuaram sem resposta. A
expectativa de mudanças rápidas gerada pelas visitas realizadas pelas
autoridades no final de 2012 acabou alimentando novamente a tensão interna na
prisão. A demora na conclusão dos inquéritos policiais das denúncias de
tortura, o fato de os agentes envolvidos nos fatos de novembro seguirem
trabalhando normalmente na Penitenciária de São Pedro de Alcântara, a notícia
da possível promoção do ex-diretor Carlos Alves ao cargo de chefe do grupo
intervenções táticas no sistema prisional e a ação do grupo de intervenção
tática torturando presos no Presídio de Joinville, denunciada com a publicação
de um vídeo que chocou a opinião pública nacional, acirraram ainda mais a
situação no sistema prisional catarinense. O resultado está nas capas do
jornais catarinenses dos últimos 15 dias: mais uma vez o tensionamento interno
existente no sistema prisional transbordou sob a forma de ataques violentos aos
ônibus, às unidades de segurança e às casas de agentes da segurança pública e
do sistema prisional.
4. Qual a origem desse
tensionamento? Se o sintoma está na segurança pública e o estopim no sistema prisional,
a busca das raízes do problema exige um olhar que consiga enxergar para além da
conjuntura das últimas semanas ou dos últimos meses. É preciso compreender a
política penitenciária do Estado de Santa Catarina no marco das tendências
estruturais do sistema penal do capitalismo dependente tal como se constituiu
historicamente no Brasil. A desigualdade brutal de uma sociedade marcada pela
superexploração do trabalho e pela marginalização social massiva é refletida no
funcionamento estruturalmente seletivo do sistema penal: desde o conteúdo das leis
penais, passando pela atuação dos órgãos policiais, do sistema de justiça e
culminando no sistema prisional, o alvo privilegiado é a camada marginalizada
da classe trabalhadora. Um breve olhar sobre os dados atualizados do sistema
penitenciário brasileiro basta para verificar o verdadeiro genocídio que atinge
a população pobre, negra, jovem e de baixa escolaridade. Encarceramento que no
primeiro semestre de 2012 alcançou a marca de 549.577 presos no país, um
crescimento de 511% entre os anos de 1992 e 2012 e de mais de 6% apenas nos
últimos seis meses. Precisamente o período histórico de aprofundamento do
capitalismo dependente no Brasil, com a reestruturação produtiva capitalista
que expulsou ainda mais trabalhadores do mundo produtivo e com a transformação
regressiva do Estado brasileiro sob o influxo das políticas neoliberais, que desmantelaram
as poucas estruturas de um Estado social que sequer chegou a existir plenamente
em nosso país. A alternativa do Estado brasileiro para o controle da crescente
massa de desempregados, subempregados e marginalizados tem sido o
a expansão do sistema penal, um problema que cobre todo o período
histórico das últimas duas décadas e a realidade de Santa Catarina não é uma
exceção em relação ao resto do país.
3. A perversidade do sistema
penal vai além de sua seletividade classista e racista, pois o sistema cumpre
funções ativas que não apenas reproduzem, mas aprofundam a desigualdade da
sociedade capitalista. Para além da leitura do sistema penal a partir de suas
funções declaradas de retribuição, intimidação ou ressocialização, o fato é que
muito mais que combater a criminalidade, o que o sistema penal faz efetivamente
é criá-la e reproduzi-la de modo ampliado, recrutando mais e mais
marginalizados criminais entre a massa de marginalizados sociais que sobrevive
nas periferias das grandes cidades brasileiras. O estigma carregado pelos marginalizados criminais
os sujeita ainda mais à superexploração no mercado de trabalho: após a prisão, quando
conseguem emprego, é sempre o de mais baixa remuneração (servente de pedreiro,
limpeza em empresas de serviços terceirizados etc.); no próprio interior das
prisões, com os famigerados programas de trabalho, as mesmas empresas que negam
trabalho ao ex-condenado pagam salário mínimo ao preso por funções que no mundo
livre são remuneradas por muito mais. É dessa forma que o sistema penal vai
criando a matéria humana de que se serve o crime organizado para levar a cabo
os seus negócios, intimamente relacionados com interesses econômicos e
políticos da própria ordem capitalista (tráfico de drogas e de armas, lavagem
de dinheiro, grupos de extermínio, sequestros, atentados etc.). Por trás da
ilusão de segurança e de combate ao crime, a punição as ilegalidades visíveis
praticadas pelos pobres encobre a vasta ilegalidade invisível das grandes
organizações criminosas ligadas à acumulação de capital e à própria gestão do
Estado capitalista. A perversidade grotesca é que a absoluta maioria dos
trabalhadores empregados na segurança pública e no sistema prisional é também
recrutada nas classes populares: pobres matando pobres, enquanto a classe
dominante segue cuidando tranquilamente de seus negócios legais e ilegais!
5. Diante dessas tendências estruturais
do sistema penal capitalista, qual o papel da política penitenciária aplicada pelas autoridades catarinenses? Qual a
responsabilidade do Governo Estadual, da Secretaria de Justiça e Cidadania e do
Departamento de Administração Prisional nesta crise? A política penitenciária é uma das
dimensões da política geral do Governo Estadual. E a política é sempre uma
questão de escolha entre alternativas colocadas pelo próprio desenvolvimento
histórico anterior. Pode um governo de perfil regressivo em relação a todos os
direitos e conquistas civilizatórias da classe trabalhadora como o governo do
senhor Raimundo Colombo manter uma política penitenciária progressista, fundada
no respeito à dignidade humana e na reintegração entre preso e sociedade? Qual é, em suma, o perfil da política
penitenciária levada a cabo pelo Governo de Santa Catarina?
Florianópolis, 15 de fevereiro de 2013
Frente Antiprisional das Brigadas Populares de Santa Catarina
Florianópolis, 15 de fevereiro de 2013
Frente Antiprisional das Brigadas Populares de Santa Catarina
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
Frente Antiprisional solicita retificação em reportagem do Diário Catarinense e manifesta repúdio aos atentados da última semana.
Ao Diário Catarinense e ao Povo de Santa Catarina,
A Frente Antiprisional das Brigadas Populares de Santa Catarina vem por meio desta nota solicitar a retificação das matérias "Sistema Carcerário. Melhorias identificadas na prisão de São Pedro de Alcântara" e "DC acompanha vistoria do TJ na Penitenciária de São Pedro de Alcântara" veículadas respectivamente nas edições impressa e virtual do Diário Catarinense do dia 08 de fevereiro de 2013, bem como levar ao conhecimento do público em geral que as Brigadas Populares não são uma Organização Não Governamental - ONG, tal como mencionado nas referidas matérias. As Brigadas Populares são uma organização política que busca a organização e conscientização do povo trabalhador para construção de uma pátria soberana e socialista. Consideramos compreensível o equívoco, dado tipo de humanitarismo que tem marcado historicamente o cenário da questão prisional em nosso país. Ao contrário das ONGs, de seu assistencialismo e de sua incapacidade de colocar as vítimas do sistema prisional como sujeitos de uma ação política transformadora, as Brigadas Populares propõe-se a contribuir para a transformação do sistema penal com a construção de um movimento político, pacífico e organizado de familiares e amigos de presos. Foi assim que no último mês de novembro a ação decidida do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade colocou na cena pública às denúncias de tortura na Penitenciária de São Pedro de Alcântara. Situação ainda não superada completamente e que tem sim relação com os fatos que vem chocando a população catarinense desde a última semana, eis que os inquéritos policiais ainda não foram concluídos, os responsáveis seguem sem qualquer tipo de sanção e segue sendo aplicado o conjunto de restrições a que os presos são submetidos em São Pedro de Alcântara desde o ano passado. A notícia da possível promoção do ex-diretor Carlos Alves ao cargo de chefe de um grupo intervenções táticas no sistema prisional, antes mesmo do término do inquérito policial, e a ação do grupo de intervenção tática torturando presos no Presídio de Joinville, denunciada com a publicação de um vídeo que chocou a opinião pública nacional, acirraram ainda mais a situação no sistema prisional catarinense. Por fim, manifestamos aqui nosso repúdio aos atentados que vem sendo perpetrados em nosso estado desde a quarta-feira dia 30 de janeiro de 2013 e prestamos nossa solidariedade às vítimas da violência. Somos firmemente contrários ao uso de métodos violentos e terroristas que apenas aprofundam a distância entre as vítimas dos sistema penal e as classes populares e não contribuem para o avanço das tranformações necessárias. Para as Brigadas Populares a luta contra o sistema penal é uma luta política, uma luta de classes que precisa envolver todo o povo trabalhador para conquistar vitórias reais.
Florianópolis 08/02/2013
Frente Antiprisional das Brigadas Populares de Santa Catarina
domingo, 3 de fevereiro de 2013
Em Santa Catarina tortura é premiada? - Carta do GAFPPL-SC
A Penitenciária de São Pedro de
Alcântara desde sua inauguração “é tido como um estabelecimento
de castigo no Estado, onde são recorrentes denúncias de tortura,
maus tratos, isolamento prolongado, ociosidade, truculência e
destrato dos familiares” - diz o recente relatório da Ouvidora
Nacional do Sistema Penitenciário, do Ministério da Justiça. O
relatório é resultado de uma visita feita ao estado ano passado,
motivada pelas denúncias de tortura em São Pedro, realizadas em
novembro.
O relatório recomenda à
Secretária de Justiça e Cidadania que afaste o Sr. Carlos Alves
(ex-diretor da penitenciária) de atividades relacionadas diretamente
ao cotidiano do sistema prisional, inclusive de formação de
agentes, enquanto transcorrer a apuração das denúncias. E aos
promotores e delegados responsáveis que dêem continuidade ao
processo de investigação das denúncias de tortura “não
corroborando com o triste quadro de silenciamento dos órgãos
públicos diante do abuso de poder de servidores” contra pessoas em
privação de liberdade.
Carlos, a época diretor da
unidade, foi pivô do escândalo de tortura do ano passado e apenas
depois de muita pressão do movimento pacifico dos familiares foi
afastado do comando do complexo. O ex-diretor já contava com
denúncias de tortura e maus tratos e está até agora sendo
investigado por tortura e abuso de poder contra os detentos de São
Pedro, o que resultou em 69 laudos de tortura e maus tratos durante
sua gestão. Apesar disso, o caso parece ter sido esquecido. Foi
noticiado em 14 de janeiro como certa a promoção de Carlos do
Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara, para coordenar
um Grupo de Intervenções Táticas no sistema prisional que
abrangerá todo o estado. O DEAP desmente a indicação de Carlos,
uma vez que o grupo ainda não fora criado, entretanto considera-o
apto e um dos melhores nomes para assumir o cargo.
Desde então fica a dúvida: A
tortura é premiada em Santa Catarina? O silêncio das autoridades
diz tudo: em novembro o Governador Raimundo Colombo e a Secretária
Ada de Luca, não se pronunciaram publicamente sobre os crimes de
tortura ocorridos em São Pedro. Hoje, não se pronunciam e permitem
que Carlos seja cogitado para uma promoção. Durante as marchas
pacíficas que fizemos em novembro gritávamos: “Governador mas que
loucura, você não faz nada contra tortura”. Mas, parece que a
tortura e o abuso de poder são a base da política prisional de
Santa Catarina.
Embora, o caso esteja sendo
abafado e o Estado pareça ignorar o inquérito que ainda corre, nós
não esqueceremos. Foi a mobilização política e pacífica dos
familiares que, em novembro, não deixou passar em branco a barbárie
que ocorria dentro dos muros da penitenciária. Com muita luta
política conseguimos que as autoridades estaduais começassem a
investigar o que ocorria e inspecionassem o presídio. Os laudos da
2ª inspeção desmentem que as lesões dos apenados tenham sido
produzidas pela contenção de um possível motim, como foi noticiado
pelo DC. A tortura existe em Santa Catarina e nós não deixaremos
que ninguém a esqueça.
Reiteramos: seguiremos na luta
política e pacífica pelo rigor do inquérito dos crimes de tortura
em São Pedro, contra uma política penitenciária centrada na
violência, contra uma sociedade que precisa o tempo inteiro empurrar
o povo trabalhador para atrás dos muros de uma prisão.
Tortura, nunca mais!
Grupo de Amigos e Familiares de
Pessoas em Privação de Liberdade – SC
Assinar:
Postagens (Atom)